quinta-feira, 22 de março de 2012

Entrevista: Rildo Lima

...E O ALPHORRIA CRIOU O REGGAE POTIGUAR

A história do reggae em Natal se confunde com a da banda Alphorria,
cujo sucesso extrapolou a fronteira potiguar. O grupo criado por
Rildo Lima, Francisco Bethoven, Jolian Joumes, Silvio Boy, Eduardo
Taufic e Carlos Suassuna - responsável pela popularização do ritmo
jamaicano em Natal – arrebanhou importantes fãs como os
integrantes do Cidade Negra, sobretudo Toni Garrido. Devido a
importância do nosso entrevistado do mês - o vocalista do
Alphorria, Rildo José de Lima - escalamos uma verdadeira seleção
para arguí-lo: além da já tradicional e indispensável presença
do jornalista Roberto Fontes, pude contar com a colaboração de um
dos produtores da banda Inácio Toca Trumpete, Neneto Almeida. Direto
de Fortaleza, o compositor e veterano do basquetebol, Almir Ribeiro,
também contribuiu de forma decisiva para tudo o que vamos ler a
partir de agora. Com vocês, o grande craque da música e do basquete
potiguar, RILDO LIMA!!! (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – De onde veio Rildo José de Lima?
RILDO - Nasci em Natal. Papai também é natalense. Minha mãe, Dona Da Guia, é de Parelhas. Ela casou cedo e veio do interior para cá. Até hoje é exímia dona de casa. Meu pai é Paulo Cunha, um dos nomes mais conhecidos do basquete potiguar. Foi dele que herdei meu lado esportivo. Tenho um irmão gêmeo, José Rildo. Nossos nomes são invertidos: eu sou Rildo José, ele é José Rildo. Papai era botafoguense, Rildo foi um grande lateral do time. Meu pai prestou essa homenagem.
ZONA SUL – Em qual bairro você nasceu?
RILDO – Na Cidade Alta. Minha família morava na Princesa Isabel, ao lado do Banco do Brasil. Foi a casa onde meus pais foram morar, depois que casaram. Minha infância toda foi na Cidade Alta. Da Princesa Isabel mudamos para a Vigário Bartolomeu. Eu tinha uns cinco ou seis anos.
ZONA SUL – Quais as primeiras imagens que surgem na sua memória?
RILDO – As lembranças mais vivas - a partir de seis, sete anos - já são do tempo da Vigário Bartolomeu. Recordo do futebol na rua, de andar de bicicleta... Natal era tranquila, dava para fazer isso tudo. Cursei o jardim de infância no colégio Sossego da Mamãe, que ficava ao lado do Hospital Infantil Varela Santiago. De lá fui para o Instituto Montessori, que era colado à Escola Doméstica. Era comum o aluno sair do Montessori para o Marista ou para o Salesiano. Eu fui para o Salesiano.
ZONA SUL – O basquete já fazia parte da sua vida nessa época?
RILDO – Desde os seis anos, quando comecei a assistir os jogos de papai, senti vontade de jogar basquete. Mas ele só deixou quando completei sete. Ele era professor da escolinha da AABB. Daquela época pra cá, nunca mais saí das quadras.
ZONA SUL – Almir Ribeiro, que foi aluno do seu pai, pergunta como ele está. Almir também pede para você falar um pouco sobre a carreira de Paulo Cunha.
RILDO – Papai está bem demais, graças a Deus! Sua história é bem interessante. Meu pai começou no esporte através do remo, que na época era bastante tradicional em Natal. Ele era um negrão fortão. Aos 18 anos recebeu convite para jogar basquete. Era uma idade avançada para começar outra modalidade esportiva. Seu primeiro técnico disse que meu pai não teria sucesso no basquete por ser muito forte.
ZONA SUL – Qual a altura de Paulo Cunha?
RILDO – Media 1,85m, era um homem alto para os padrões da época. Hoje ele seria considerado baixo, mas há 50 anos, não. Papai jogou até de pivô! Como o primeiro técnico não o quis, ele aceitou o convite do treinador José Augusto e foi jogar pela AABB. A partir daí começou a se aperfeiçoar e rapidamente alcançou a seleção do Rio Grande do Norte. Naquela época, todo ano havia um campeonato brasileiro de seleções. Em um desses anos, o RN ficou entre os três primeiros. Como papai foi o destaque do time, acabou sendo convocado para a Seleção Brasileira. Foi a mesma seleção que conquistou o título mundial de 1959. Papai ainda ganhou o Sul-Americano, ao lado de atletas como Wlamir Marques, Algodão e Rosa Branca, e sob o comando do técnico Kanela. Ele não foi para o mundial porque, pouco tempo antes de embarcar, escorregou no vestiário - no intervalo de uma partida - e quebrou o cotovelo.
ZONA SUL – Depois que se recuperou, ele continuou jogando?
RILDO – Sim, mas só no Rio Grande do Norte. Papai jogou muito, ainda. Cheguei a atuar com ele, quando eu tinha 19 pra 20 anos. Jogamos na AABB. Ele só não retornou para a Seleção porque ficou fisicamente um pouco limitado.
ZONA SUL – Como foi sua progressão dentro do esporte?
RILDO – Comecei na escolinha aos sete anos e hoje disputo campeonato de másters. O basquete máster é muito forte no Brasil e no mundo. É dividido por categorias que obedecem a faixas etárias. Papai, com 75 anos, ainda joga. Esse ano, vamos disputar o Norte-Nordeste, em João Pessoa, e o brasileiro, em São Paulo. No ano retrasado, o brasileiro foi realizado em Fortaleza. Wlamir Marques foi convidado para a abertura e para dar umas palestras. Foi um evento marcante para mim, porque pude testemunhar o encontro dele com o meu pai. Fazia 50 anos que não se viam. Para mim, estar com Wlamir Marques ao lado do meu pai foi tudo! Em qualquer transmissão importante, Wlamir Marques é tratado como um dos maiores nomes do basquete. Saber que o meu pai teve o mesmo nível dele, que jogaram juntos na Seleção Brasileira, é motivo de muito orgulho. Ainda mais conhecendo os obstáculos que meu pai teve que ultrapassar para chegar até a Seleção, saindo de um estado pequeno como o Rio Grande do Norte.
ZONA SUL – Almir Ribeiro recorda que conheceu seu pai logo após o mundial de basquete disputado nas Filipinas, no qual o Brasil classificou-se em terceiro lugar. Paulo Cunha foi ao Colégio Salesiano falar sobre a escolinha que iria iniciar. Na ocasião, contou a história dele como jogador de Seleção. A seguir, um comentário e uma pergunta de Almir Ribeiro, direto de Fortaleza: “Você foi o melhor jogador de basquete, em Natal, da minha geração. Poderia ter chegado inclusive na NBA. Nunca pensou em jogar profissionalmente em outro estado brasileiro?”.
RILDO – O clube que joguei a vida inteira, e que continuo jogando até hoje, é a AABB. Só saí um período para atuar pelo América. No basquete escolar, atuei pelo Salesiano. Foi em um período que a competição entre as escolas era pau: tinha torcida organizada, bandeiras, charangas, ginásio lotado... Os Jogos Estudantis do RN (JERNs) interrompiam as aulas. Os maiores rivais do Salesiano eram o Marista e a EFRN. Estou falando do período entre 1980 e 1985. Foi a época que vi o basquete ser mais movimentado. De lá para cá, caiu muito. Com exceção de América e AABB, os clubes de Natal são times de colégio vestindo sua camisa.
ZONA SUL – Você não respondeu a pergunta de Almir: “pensou em jogar basquete em outro estado”?
RILDO – Pensar, pensei, e até recebi convites. O primeiro foi de um time de Brasília, depois que disputei uns Jogos Estudantis Brasileiros (JEBs) na capital do país. Antigamente essa competição envolvia as seleções estaduais. Hoje a equipe campeã dos jogos escolares de cada estado vai representá-lo. Meu primeiro JEBs foi em 1982, eu tinha 16 anos. Foi minha primeira competição escolar a nível nacional. Foi depois desses JEBs que recebi o convite para jogar em Brasília, feito pelo treinador da equipe do DF. Esse técnico era amigo de papai. O RN ficou na mesma chave de Brasília e jogamos contra eles. Não aceitei o convite porque decidi aguardar mais um pouco e concluir os estudos. No ano seguinte fomos disputar um campeonato de seleções no Rio Grande do Sul. Repeti a boa performance e fui convidado a jogar no Vasco da Gama. Também não topei porque as notícias da época mostravam que o time não era bem organizado. No terceiro ano recebi convite para jogar em um clube de São Paulo, acho que era a Hebraica. Mas eu já estava no período de conclusão do estudo, naquela fase de decidir o que fazer da vida. Mais uma vez não topei.
ZONA SUL – E a música, quando entra na sua história?
RILDO - O basquete e a música sempre estiveram entrelaçados. Passei a me envolver com a música no Salesiano. Aliás, quando eu estava para concluir o segundo grau, aos 17 anos, me reprovei para poder jogar mais um ano basquete pelo colégio. Essa foi a principal causa por eu não ter terminado os estudos, pois no ano seguinte fui servir ao Exército. Voltando à música, aos 14 anos comecei a me interessar pelo violão de papai. Ele tocava acompanhando aqueles caderninhos. Eu pegava o violão dele pra desafinar. Como não sabia nada, rodava as tarrachas. Até que um dia resolvi experimentar um caderninho dos deles. Comecei assim. Achei aquilo interessante, divertido e passei a comprar os meus próprios cadernos. Até porque os do meu pai eram de músicas antigas. Apesar desse contato com o violão, meu primeiro instrumento profissional foi a bateria. Começou quando passei a integrar a charanga da torcida do Salesiano. Quando eu não estava jogando, estava torcendo, tocando tarol, caixa, bumbo... Juntava o tarol e a caixa e fazia uma zoadeira, como se fosse uma bateria. Sempre gostei de percussão. Certo dia descobrimos que havia instrumentos de uma banda guardados em uma sala do Salesiano. Conversamos com um daqueles padres, que nos autorizou a utilizá-los, contanto que os mantivéssemos conservados. Quando a gente foi ver aqueles instrumentos empoeirados do Salesiano, tinha uma guitarra, um contrabaixo e uma bateria. Junto com três amigos, montamos uma banda: Marco Túlio e Gilberto (guitarras) Erick Firmino (contrabaixo) e eu na bateria. Tocávamos rock dos anos 1980 em festinhas. Essa primeira banda chamava-se Censura Livre. O repertório incluía covers de Legião, Paralamas, Titãs, Pink Floyd... Não ganhávamos dinheiro, era apenas diversão.
ZONA SUL – E o Exército?

RILDO – Tive a oportunidade de não servir o Exército. Meu pai tinha alguns contatos que poderiam me ajudar a ser dispensado do serviço militar. Mas eu sempre tive espírito aventureiro, de querer conhecer as coisas. Por isso resolvi me alistar e servir, para adquirir essa experiência. Como eu era alto e forte, fui destacado para a Polícia do Exército. Lá dentro, fiz um curso de três meses, em Recife, para cabo. Foi legal, aprendi táticas de guerra e aquelas coisas das Forças Armadas. Só que tinha um detalhe: não nasci para ser mandado. Ser cabo era melhor do que ser soldado, porque aí eu já mandava em alguém, não apenas obedecia. Mas quando chegou a época de decidir se continuava ou não, se fazia um curso de sargento, resolvi sair. Gosto de liberdade, de fazer o que quero, na hora que quero... Fui embora. Apesar de tudo, no Exército foi legal, me acostumei a ganhar meu dinheirinho. Por isso, logo que saí, fui procurar outra ocupação que me rendesse uma grana. Por coincidência, estava abrindo em Natal as Casas Pernambucanas. Fui trabalhar por lá. Com 19, 20 anos, eu ganhava salário comercial, estava tranquilo. Por intermédio do basquete, eu havia conhecido Ricardo Menezes, que trabalhava no Bandern e tocava na banda Cabeças Errantes. Fui convidado para substituir o baterista deles. Topei. Com os Cabeças Errantes tocamos em vários festivais de música em Natal.
ZONA SUL – Até então não tinha pintado nenhum tostão com a música...
RILDO – Nada, só tapinha nas costas e um beijinho aqui e acolá. Foi quando Ricardo me propôs tocar com ele em um barzinho que estava para ser inaugurado. Era voz, violão e percussão. Com o dinheirinho que eu ganhava nas Casas Pernambucanas, comprei uma timba. Ele fazia voz e violão e eu fazia voz e percussão. Começamos a ganhar uma graninha boa. Um ano depois, a Riachuelo abriu um lojão em parte do terreno onde hoje é o Midway. Como o salário era melhor, fui trabalhar lá. Em pouco tempo percebi que na Riachuelo quem mais ganhava era o cara que vendia. Fui buscar comissão nas vendas. Ao mesmo tempo em que estava subindo na loja - digamos assim - passei a tocar mais na noite, com Ricardo. Até que chegou uma época em que o que eu ganhava com música era o dobro do que eu faturava com a Riachuelo. Pedi as contas da Riachuelo, optei pela música. O basquete vinha no paralelo, mas como hobby. Jogava aqui e acolá. Isso tudo foi entre 1986 e 1991.
ZONA SUL – Como surgiu a banda Alphorria?
RILDO - Como eu vinha me destacando como baterista, além de tocar no Cabeças Errantes passei a acompanhar Sueldo, Pedrinho, Lucinha Lyra, Manassés, Leão Neto e toda a galera que cantava e fazia shows naquela época. Paralelo, continuava com Ricardo, nos barzinhos. Dava pra faturar uma graninha legal, já que não tinha muita responsabilidade ainda, era solteiro e tal. A partir de 1991, o Dom Quixote deu aquele boom lá na praça Augusto Leite. Carlos Sérgio, o dono, precisava de bandas para tocar por lá. Já havia a de Jolian, que tocava toda quinta, o dia que bombava. Foi quando resolvi montar uma banda pra tocar lá também. Sérgio Farias, que na época era conhecido como Serginho Estranho, era o meu baixista. Eduardo, que hoje é dono de um dos melhores estúdios de Natal, tocava guitarra. Tinha também Bethoven fazendo umas participações. Além da minha banda e da banda de Julian, uma outra também passou a tocar no Dom Quixote. Foi quando em 1992 ou 93 recebemos o convite para fazer a primeira festa de reggae de Natal. Claudio Porpino disse a Jolian que precisava de uma banda que tocasse reggae, pois ele ia promover uma festa chamada Caju com Reggae. Ninguém tinha um repertório de reggae suficiente para um show só de reggae. Depois dessa primeira festa, houve uma segunda, que bombou. Um pessoal de Fortaleza que assistiu, resolveu promover uma festa semelhante por lá, no mês seguinte. Foi quando me ligaram, propondo juntar o repertório das duas bandas. Assim surgiu o Alphorria.
ZONA SUL – Como se deu a escolha do nome?
RILDO – Na verdade, essa história que contei foi a da formação da banda. O nome Alphorria surgiu em uma tocada, quando fui baterista de Sueldo Soaress. Ele sempre gostou de anunciar seus show como Sueldo Soaress e Banda Tal. Sempre batizou a banda que o acompanhava com algum nome. Em um batismo desse, ele escolheu Alphorria. Era Sueldo Soaress e Banda Alphorria. Eu tocava bateria, Serginho tocava contrabaixo, Manoca tocava guitarra, Eduardo Taufic, com 17 anos, tocava teclado e Silvio Franco tocava percussão. Fizemos vários shows com Sueldo em Natal, Fortaleza e Mossoró. Tinha muito reggae e a gente tocava também aquele estilo de batucada que Sueldo fazia muito na época. Antes dessa junção que culminou com a formação do Alphorria, essa nossa banda que acompanhava Sueldo foi convidada a fazer uma daquelas batucadas de Carnatal, na praça de alimentação do Natal Shopping. Sueldo trabalhava na Petrobras, estava embarcado, não podia ir. Como eu cantava e nós já tínhamos repertório, resolvemos tocar. O nome da banda foi mantido Alphorria. Foi um estouro. Assumi o vocal tocando bateria. A partir daí passamos a ter a banda Alphorria tocando com Sueldo, e, como segunda opção, Alphorria sem Sueldo, comigo cantando. Foi quando surgiu o convite para a festa do reggae. Juntamos as duas bandas. Como eu já estava cantando, dividi o vocal com Jolian, que cantava na banda dele. A outra banda era de Carlinhos Suassuna, que ficou como guitarrista. Da minha banda entraram também Silvio Franco, que assumiu a bateria, Dudu Taufic, nos teclados e Bethoven, com algumas participações. A partir dessa festa começa a história do Alphorria.
ZONA SUL – O Alphorria foi a primeira banda de reggae a se apresentar no Carnatal. Qual a reação do público?
RILDO – Tivemos um bloco com o nome Alphorria. Foi a primeira e única vez que o reggae entrou no Carnatal. Até a gente conquistar um público cativo em Natal, tocamos muito. No início, 1992, 93, a gente só tocava cover. A partir daí comecei a desenvolver meu lado de compositor. É que, tocando muito, as pessoas começaram a perguntar quando a banda gravaria um CD. E, para isso, a gente precisava de repertório autoral. Tive um parceiro excelente, Eduardo Taufic. Dessa forma começou a se desenhar a história do disco. Nessa época havia entrado em vigor a lei de incentivo à cultura que se tornou conhecida como Lei Mineiro. Resolvemos aproveitar esse incentivo. Alphorria foi a primeira banda que utilizou-se dessa lei e realmente formatou um produto, que foi o CD. Gravamos no Rio de Janeiro. Natal estava começando a ter estúdio. Investimos R$ 25 mil. Na época era muito dinheiro. Selecionamos 12 músicas, metade dessas composições tem a minha participação. Valorizamos o pessoal da terra, como Sueldo, Babal e Cleudo. Incluímos Malandrinha, de Edson Gomes. Com parte da grana do incentivo pagamos pela liberação.
ZONA SUL – Quais canções do disco fizeram mais sucesso?
RILDO – Sonho Rasta (minha e de Dudu Taufic), Banana Reggae (parceria minha com Cleudo e Bethoven) e Malandrinha, de Edson Gomes. A partir do CD, começamos a fazer um show quase totalmente autoral. O fato de o Alphorria ter colocado a cara a tapa foi decisivo para termos alcançado tanto sucesso. Nesse processo de CD eu já estava casado com Telma. Graças a Deus minha esposa está comigo até hoje. Lá se vão 20 anos. Aguentar tanto tempo convivendo com um músico, não é fácil. Com o casamento e o nascimento do nosso primeiro filho, Paulo Rafael, voltei a me empregar para ter uma renda adicional ao que eu acumulava com a música. Entrei na Varig, na época a companhia aérea top line do Brasil. Foi bom porque quando a gravadora enviou a remessa com os CDs que gravamos, eu mesmo fui quem recebeu, no setor de cargas da Varig. Hoje, além de Rafael, que completou 20 anos, temos também Gabriela (19) e Juliana (12).
ZONA SUL – Fale um pouco sobre a gravação do CD, que levou o próprio nome da banda.
RILDO – Gravamos no mês que eu tinha de férias. Fomos os nove da banda e três produtores: 12 passagens. A hospedagem foi em um hotel do Leme. Antes de ir, tínhamos mandado umas pré-gravações para Vanius Lemos, que hoje é considerado um dos melhores diretores técnicos de som do país. Ele achou o trabalho legal e nos ajudou a gravar tudo em onze dias. Logo em seguida, retornamos a Natal. Quando recebi o disco, chamei a galera para conhecer aquele nosso filho que acabara de chegar. Com as 2 mil cópias do CD nas mãos, começamos a vender, a distribuir entre os patrocinadores, a divulgar junto a imprensa... Na época nem sei quantos artistas já tinham CD em Natal. Mas os nossos discos acabaram rapidinho. A arte da capa do CD foi feita por Camila, uma natalense que estava morando no Rio: fazia faculdade de desenho e trabalhava em uma agência. Camila namorava um cara chamado Rick Nogueira. O pai dele tem uma editora de livros no Rio. Rick gostava de promover festas. Quando o axé estava chegando no Rio, ele levou várias bandas desse ritmo para tocar em festas por lá. Em uma das audições que Camila estava fazendo, buscando inspiração para bolar a capa do nosso CD, Rick ouviu aquele som e gostou. Pediu para fazer uma cópia e passou a divulgar o nosso trabalho entre seus amigos. Como a repercussão foi muito boa e ele tinha grana, resolveu nos convidar para uma temporada no Rio. O combinado é que ele nos bancaria durante dois meses. Em troca concordamos em ceder participação nos lucros, se estourássemos. Nessa época a gente enchia todas as casas de Natal. Já tínhamos mostrado nosso trabalho também em João Pessoa, Recife e Fortaleza, abrindo shows do Cidade Negra. Quem conseguiu essa oportunidade foi Alexandre Maia, que produziu um dos shows do Cidade em Natal. Para tentar essa profissionalização no Rio, sai da Varig. Carlinhos, que era arquiteto, afastou-se também do seu trabalho. Dudu Taufic, que estava gravando e tocando com muita gente, aceitou ficar exclusivo no Alphorria.
ZONA SUL – Como foi esse período no Rio?
RILDO - Chegamos com agenda marcada para um mês todo de apresentações. Tocamos em uma casa no Baixo Gávea que promovia shows de Ed Motta. A gente tocava na sexta, e ele na quinta. A gente se identificou muito com o lugar porque era tipo o Dom Quixote, de Natal. Casa cheia. Os amigos que iam nas festas do Rick foram ver a banda que ele tinha trazido e já tinha apresentado por CD. A gente começou a ganhar certa credibilidade lá dentro. Antes da estreia, como a gente já tinha contato com o pessoal do Cidade Negra, deixamos mensagem na secretária eletrônica comunicando que estávamos no Rio e que faríamos o nosso primeiro show naquela noite. Primeira noite de show, casa lotada, a gente já no camarim, entra Toni Garrido. Ele explicou que estava passando só para desejar um bom show pra gente. Não podia ficar porque o CD estava em processo de finalização e ele tinha que ficar direto dentro do estúdio Nas Nuvens, com o produtor Liminha. Pra gente foi demais receber um ídolo do reggae nacional só pra nos desejar boa sorte. Paralelo aos shows, visitamos várias gravadoras. Perto de a gente voltar para Natal, fizemos uma apresentação no Hipódromo Up, boate em São Conrado. Casa legal, com camarim e mezanino. Sempre tinha gente da Globo por lá. Quando a gente tava no camarim, a menina da produção chegou com os olhões desse tamanho assim: “vocês não sabem quem está na primeira mesa e veio para assistir o show”. Era Tony Garrido e Liminha. Ao final da apresentação, Toni Garrido e Liminha, já no camarim conosco, perguntaram quem fazia os arranjos. Dissemos que eram coletivos. Eles indagaram então pelos arranjos de sopro. Eram de Bethoven e Dudu Taufic. Toni e Liminha pediram para a gente criar os arranjos de metais para a finalização do disco do Cidade Negra.
ZONA SUL – Qual era o disco?
RILDO – SOS Brasil, que ficou mais conhecido como O Erê. No outro dia, nove da manhã, eu, Bethoven e Dudu estávamos no estúdio Nas Nuvens. Mesmo sabendo que eu não ia gravar, não ia fazer nada, fui. Eu sabia que não podia perder a oportunidade de estar junto dos caras, de adquirir conhecimento com aquelas feras do reggae nacional. Recebemos cópia do CD e levamos pra casa, uma coberturazinha massa no Leblon. A gente varou a noite. Dudu e Bethoven fizeram os arranjos, e eu acompanhei tudo. No outro dia, fomos lá mostrar o trabalho. Essa música, SOS Brasil, foi a de trabalho do disco. Toni e Liminha aprovaram e pediram que fosse feito arranjo para as outras músicas do CD. Se você pegar o disco SOS Brasil, vai ver que estão registradas as participações e os arranjos do Alphorria.
ZONA SUL – Conseguiram gravadora no Rio de Janeiro?
RILDO – Voltamos pra Natal sem gravadora. Fizemos muitos shows e mantivemos bastante contatos, mas não conseguimos gravadora. A promoter Alicinha Cavalcanti chegou a dizer que, na sua opinião, as melhores bandas do Brasil eram Cidade Negra e Skank e que a nossa seria a próxima da vez. Algum tempo depois que chegamos em Natal, Rick ligou dizendo que uma gravadora a qual ele tinha mandado o nosso CD havia achado aquele trabalho interessante. Era a Natasha Records, que fazia distribuição pela Sony Music do Brasil e tinha como uma das sócias a Paula Lavigne, mulher de Caetano Veloso. O sócio dela era Felipe Llerena, que hoje é o cara da Imusica, um dos sites de música mais acessados. Ele gostou, mas disse que precisava ver a banda ao vivo. Eu propus que Rick trouxesse o cara para o Carnatal, pois a gente estava com um bloco e um trio. Conseguimos hospedagem no Mar Hotel e passagens pela Varig. Llerena veio passar dois dias com a gente. Botamos o cara em cima do trio elétrico. Aqueles três mil foliões dançando reggae no ritmo do Alphorria, em pleno Carnatal, o deixaram alucinado. No ano seguinte, a gente fechou o contrato com a Natasha. Voltamos para o Rio, fizemos outros shows, participamos da Expomusic, no estande da Sony. As principais gravadoras do país estavam representadas naquele galpão enorme, no RioCentro. O estande da Sony era um globo de vidro, bem no meio. Fizemos um show lá. A Sony Music já estava distribuindo nosso CD.
ZONA SUL – Como foi a história de um link ao vivo agendado para o Fantástico, com o objetivo de mostrar o Alphorria no Carnatal?
RILDO – Por intermédio do Rick conseguimos marcar esse link. Só que um problema técnico impediu a nossa entrada ao vivo. Em compensação, aparecemos no Vídeo Show apresentados por Toni Garrido. A gravação foi na Lagoa, ele apresentou o Alphorria como uma nova banda de reggae que estava vindo do Rio Grande do Norte e despontando no país. Logo em seguida as coisas começaram a desandar.
ZONA SUL - O que houve?
RILDO – Imaturidade, deslumbramento... As peças começaram a se desencaixar lá dentro, digamos assim. Deu uma rachada. O Alphorria era uma sociedade dividida em duas: a banda e a produtora. Alguns acharam que devia haver mudanças na banda. E essas mudanças realmente ocorreram. Quando a gente foi fazer o show de estreia da temporada, no Rio de Janeiro, o produtor disse logo: “o produto que eu comprei não foi esse, algumas coisas está errada, não tem como eu comprar um produto lá e vocês me apresentarem outro aqui”. Entre essas mudanças, me tiraram do vocal. Como sócio da banda, fiquei fazendo produção. Jolian assumiu o vocal. Depois do racha, parte do grupo tentou uma nova fase em São Paulo, mas não surtiu muito efeito. Quando a gente desmanchou o Alphorria, montei a Banda Kais. Foi na época que estava nascendo o Blackout. Tocamos muito lá.
ZONA SUL – Em qual ano foi esse racha do Alphorria?
RILDO – Foi em 1998. A gente já tinha acertado a participação em vários programas e entrevistas, mas foi tudo cortado. Depois de alguns anos a maturidade foi chegando, a gente sentou, conversou sobre o acontecido e botou tudo em pratos limpos. Resolvemos nossas diferenças e cada um foi tocar sua vida. Em seguida, a gente recebeu o convite para comemorar 15 anos do Alphorria. Foi no MADA. Ensaiamos e apresentamos o show: foi maravilhoso. Algum tempo depois, Dover Goes ligou propondo um show do Alphorria na Ponta do Morcego. Perguntou se tinha como Toni Garrido participar. Respondi que, pagando o cachê dele, não teria problema. E assim foi feito. Foi o primeiro contato no mesmo palco com ele. Até então a gente só tinha aberto shows para o Cidade Negra. Depois de 15 anos, realizamos o sonho de tocar com Toni Garrido. O resumo da história é que fizemos juntos 11 shows. Em Natal, João Pessoa e Mossoró, com a participação dele. Criou-se um vínculo muito forte de amizade entre eu, ele e o irmão dele, o empresário Ricardo Garrido. Nessa época Toni tinha saído do Cidade. Ano passado o Cidade voltou com ele. Tiveram uma conversa e voltaram a tocar.
ZONA SUL – Foi no ano passado que você dividiu o palco com ele mais uma vez, dessa feita em um show no Teatro Riachuelo?
RILDO – Sim. O primeiro show da turnê nacional do Cidade Negra foi em Natal. Quando Toni desembarcou, eu liguei. Ele pediu para eu encontrá-lo mais tarde, para me entregar uns ingressos. Quando fui ao hotel, ele estava indo passar o som. Combinamos de conversar depois da apresentação. Fui mais cedo para o show, para pegar meus ingressos. Quando cheguei, também estavam por lá Renato Vilar, que é um regueiro louco pelo Cidade, e um outro amigo do fã clube em Natal. Tinha 12 ingressos para nós três, quatro para cada um. A gente pensava que teria só um pra cada. Isso era oito da noite, o show estava marcado pras nove. Liguei pra Telma: “arrume Juju (a minha pequena de 12 anos) que eu vou buscá-las para assistir o show”. Com 12 anos, Juliana nunca tinha me visto no palco. Quando via fotos, ela perguntava se minha banda tinha feito sucesso. Eu respondia: “seu pai foi um dos caras mais famosos dessa cidade”. (risos). Quando o show começou, fiquei perto da mesa de som. Juju já sabia quem era Toni, pois já havia nos acompanhado em algumas saídas, nas vezes em que ele esteve em Natal. Ela ficou impressionada em presenciar aquela casa lotada para ver meu amigo cantar. No meio do show, do nada, Toni Garrido fez uma citação: “vocês conhecem um cara que mora aqui em Natal, o Rildo, cantor da banda Alphorria?” Algumas pessoas tiveram uma reação legal. Foi motivo de orgulho: no show de volta do Cidade, ele citar o meu nome. Sempre fui fã dele não só pelo potencial artístico, mas pela pessoa que é, pela simplicidade, por não ter nenhum estrelismo.
ZONA SUL – Mas você cantou com ele, tem o vídeo no Youtube...
RILDO – Quando acabou o show, a galera começou a pedir mais um. A banda voltou e a galera pediu O Erê. Eu tinha participado da história de O Erê, da gravação de SOS Brasil. Passou o filme naquela hora. Foi quando ele disse “Rildo, se você estiver na área, venha: vamos fazer essa música juntos”. Juliana falou, “pai, ele tá lhe chamando”. Uma galera incentivou e eu fui. No pé do palco, a música já rolando, o segurança não quis me deixar passar por não ter certeza que eu era Rildo. Ele resolveu falar com o chefe da segurança, enquanto a música rolava. Foi quando chegou um cara da produção, que me conhecia, e disse que podia deixar, o Rildo era eu mesmo. Me pegou pelo braço, entrou por um caminho ao lado das cortinas. Já cheguei na coxia. Toni me viu e me chamou. Foi a maior emoção da minha vida, o coração veio pela boca. Cantamos O Erê. O teatro vibrou, não pelo fato de eu estar ali, pois nem a metade das pessoas me conheciam, mas pelo Cidade Negra estar abrindo espaço para um cara da terra, em um show de abertura de turnê nacional. Só caiu a ficha pra mim, depois. Depois a minha esposa falou que a Juliana ficou com os olhos desse tamanho.
ZONA SUL – O que você anda fazendo agora e quais os planos para o futuro?
RILDO – A música é mais ou menos como futebol, você tem um tempo limite. Se atinge uma certa idade sem ter conquistado um reconhecimento nacional, não tem mais como chegar. É como no futebol, quando o jogador atinge uma certa idade e passa a defender apenas times pequenos ou disputar peladas. Na música, se você não consegue sucesso a nível nacional, vai terminar tocando em bar. Não que seja impossível, pois temos o exemplo de Lenine, que fez sucesso depois de 30 anos de música. Hoje, não é que eu não pense mais nisso, mas não existe mais aquele deslumbramento. A música se tornou um hobby. Até como profissão eu já deixei de tocar na noite. Não se paga bem, não se valoriza. Infelizmente é uma realidade de Natal. Hoje trabalho em um escritório de advocacia, onde desenvolvo um serviço burocrático, administrativo. Também trabalho com Herbalife, uma atividade voltada para o condicionamento físico, para melhorar a longevidade. Tem ligação direta com o esporte. Me identifiquei muito, estou bem focado com a área empresarial da Herbalife. Continuo fazendo música, mas é mais para me reunir com os amigos e tocar do que pela grana. Claro que qualquer grana que entre ajuda, dá para botar combustível no carro. Mas hoje não é possível viver apenas de música. Sobre o futuro, penso em gravar um CD, mas não com a pretensão de estourar. Quero fazer um registro das minhas obras. Ainda não estou gravando, mas tenho muitas composições. Talvez eu conclua esse projeto ainda esse ano.
ZONA SUL – Que conselhos você daria para quem pensa em iniciar na música?
RILDO – Eu diria o seguinte: quer se dedicar à música? Se dedique para ser top. Do contrário, daqui a pouco você vai ter 40 ou 50 anos e os de 20 vão tomar o seu lugar. Você não terá mais espaço no mercado. Até o seu pique será outro. Chega um tempo em que não dá mais para se aventurar.
ZONA SUL – Como o fã pode ter contato e ter acesso aos seus trabalhos?
RILDO – Tenho Facebook, basta procurar por Rildo Lima. No Youtube estão divulgadas algumas gravações e vídeos. Tem por lá, inclusive, a gravação feita da minha participação no show do Cidade Negra, no Teatro Riachuelo. Também tem um vídeo muito legal que é uma gravação das gêmeas Marina Rodrigues e Manuela Dac cantando uma canção que fiz para a minha esposa: “Todas as coisas do mundo”. Essa é uma das músicas que pretendo incluir nesse CD de registro. A música nunca vai deixar de fazer parte da minha vida. O violão está sempre ao lado da cama. A música é uma das minhas três paixões. As outras são a família e o basquete.

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