quinta-feira, 21 de junho de 2012

Entrevista: Marcos Lacerda

O ADVOGADO BAIANO PAPA-JERIMUM

Ele nasceu na Bahia, mas não troca Ponta Negra e Pirangi por nenhuma praia da terra de Nosso Senhor do Bonfim. Desde que conheceu a cidade, Natal passou a ser o seu porto seguro. Mesmo nas temporadas passadas em Paris, Lisboa e, agora, Brasília. Atualmente, Marcos Lacerda de Almeida Filho faz o meio de campo entre o Ministério da Previdência Social e o Congresso Nacional. Chefe da Assessoria Parlamentar, ele tem entre suas tarefas apresentar de forma os argumentos e opiniões do Executivo a respeito das matérias que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Em uma conversa regada a vinho e churrasco que durou duas horas de uma manhã de domingo, Lacerda abriu as porteiras da memória e contou a sua vida. Um resumo desse bate papo você acompanha a seguir. (robertohomem@gmail.com)

ZONA SUL – Se apresente ao leitor do Zona Sul.
LACERDA – Meu nome é Marcos Lacerda Almeida Filho. Sou filho de Marco Lacerda Almeida e de Ana Luisa Thé Bonifácio. Todas as irmãs da minha mãe também se chamam Ana: Ana Elizabethe, Ana Helena e Ana Teresa. Minha avó, pernambucana, era devota de Sant’Ana, a mãe de Nossa Senhora. Nasci na Bahia, em Salvador, no dia 6 de novembro de 1984. Na época, meu pai estava trabalhando na reforma do Aeroporto de Salvador. Era engenheiro da EIT (Empresa Industrial Técnica). Morou em Salvador durante três anos e foi para Cruz das Almas, no recôncavo baiano. Em seguida mudamos para Montes Claros. Também morei em Aracaju. Eu tinha quatro anos quando meus pais se separaram. Aos cinco fui morar com meus avós maternos, em João Pessoa. Minha mãe trabalhava viajando.
ZONA SUL – O que ela fazia?
LACERDA – Ela comprava mercadorias no Paraguai para revender em João Pessoa e adjacências. Ficava indo e voltando. Morei até sete anos com meus avós. Depois fui para a casa do meu pai, em Natal. Ele trabalhou na EIT até o começo da década de 1990. Em seguida foi engenheiro e diretor da empresa Brasil Beton. Trabalhou ainda em outras construtoras, até ingressar na universidade, como professor. Hoje se dedica apenas à área acadêmica.
ZONA SUL – Você tem irmãos?
LACERDA - Tenho um irmão mais novo, do meu pai e da minha mãe, Thiago Lacerda. Ele tem 24 anos. Depois de separar, meu pai casou com uma mulher que já tinha três filhos. Ela era viúva e tinha sido misse, em Natal: Madalena Jácome. Foi professora de Jornalismo, na UFRN.
ZONA SUL – O que o seu irmão faz da vida?
LACERDA – O considero um “bom vivant”. Foi estudar nos Estados Unidos e, lá, conheceu uma norte-americana, com quem vive. A convite de um amigo, além de estudar, ele foi para os EUA fazer massagem. Ele nunca tinha dado uma massagem na vida. (risos). Thiago entrou em três faculdades e não completou nenhuma. Primeiro entrou no curso de Administração. Depois trocou pelo de Direito e, em seguida, voltou para Administração. Não se adaptou em nenhum. Antes de mudar para os Estados Unidos ele colocou uma empresa para vender aquele rodo que tem uma esponja que absorve a água. Ele comprava a preço de banana e revendia por um valor razoável. Estava se dando bem, só que não soube administrar o dinheiro que ganhou. Foi para os Estados Unidos há um ano e está lá até hoje.
ZONA SUL – Como foi a vida em João Pessoa?
LACERDA – Morei em Tambaú. Foi uma época difícil porque eu estava longe do meu pai e a minha mãe viajava muito. Eu ficava com meus avós e meu irmão. Também convivi com dois vizinhos, Francisco e Paulo. Eu ia para casa deles e a gente jogava futebol. Não sei como se deu o desenrolar – parece que meu pai recuperou a guarda em virtude de a minha mãe viajar muito - mas o fato é que voltei para Natal.
ZONA SUL – Seu pai já estava casado novamente?
LACERDA – Sim. Não pude ir ao casamento dele - já estava com roupa comprada e tudo - mas minha mãe não me deixou ir. Morei com meu pai até os nove anos. Era um apartamento muito bom, na Avenida Getúlio Vargas. Mas éramos cinco meninos em casa – eu, meu irmão e os três filhos da nova mulher do meu pai. Fui estudar no Henrique Castriciano. Diga-se de passagem, que eu já tinha estudado na Escola Doméstica, também, no maternal, quando saí de Aracaju e passei um tempo curto em Natal, antes de ir para João Pessoa. Estudei no Henrique Castriciano só a primeira série. Em seguida fui para o Marista.
ZONA SUL – Dessa época na Getúlio Vargas o que você recorda?
LACERDA – Eu morava no edifício Condomínio Plaza Atlântico. Nunca fui de descer para a praia. Gastava o tempo livre na piscina, ou jogando futebol mirim, ou brincando em casa.
ZONA SUL – O que adiantou morar em Natal se não frequentava a praia?
LACERDA – Pergunte isso ao meu pai. (risos) Eu ia à praia na época de veraneio. Coincidentemente tenho duas tias – uma por parte de mãe e a outra da família do meu pai – que veraneavam a um quilômetro de distância: uma em Barra do Rio e a outra em Graçandu. Eu ficava entre dezembro e fevereiro frequentando as duas casas.
ZONA SUL – Em que época surgiu o seu interesse pela política.
LACERDA - O Marista incentiva muito essa questão da liderança. Logo no primeiro ano fui candidato a líder de turma. Fui eleito nessa ocasião e também no ano seguinte, quando passei para a terceira série. No Marista existe o grêmio mirim para os alunos com até onze anos de idade. Fui candidato. Eram quatro chapas, fiquei em segundo lugar. Quem ganhou foi Bernardo Bezerra, que hoje é advogado. Tem um ano a mais do que eu. No ano seguinte me candidatei de novo. Dessa vez eram oito chapas. Ganhei. No outro ano passei para o turno matutino.
ZONA SUL – Esse gosto pela política foi herdado de alguém da família?
LACERDA – Meu avô, Aluisio Bonifácio, pai da minha mãe, foi prefeito de Arês durante oito meses. Deixou no começo do mandato porque foi convidado a assumir a diretoria de uma usina, que hoje é a Usina Estivas. Financeiramente era muito mais viável para ele. Outro avô - queira sim, queira não – também era líder. Ele era coronel do Exército, cargo para o qual é necessária muita disciplina e liderança. Estou falando do Coronel Cícero Almeida, que foi presidente da Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol (FNF).
ZONA SUL – Cícero Almeida foi o sucessor de João Machado na FNF...
LACERDA – Sim, na década de 1970. Meu avô ainda não era coronel, era capitão. Ele completou 79 anos em maio. Meus quatro avôs estão vivos, graças a Deus. Meu avô foi diretor de futebol da Federação, na gestão de João Machado. Seu ingresso no futebol foi como árbitro. Depois foi presidente do Força e Luz e do Alecrim. Ele conta que João Machado era muito desorganizado. Tanto é que João Machado era para ser dono de todo o bairro de Nova Descoberta. Sou casado com a neta de João Machado. Escuto muitas histórias sobre ele, contadas pela minha família e pela família dela. João Machado era dono de toda a Nova Descoberta, mas assistiu sem fazer nada às pessoas invadirem e tomarem tudo. Morreu pobre, sem nada.
ZONA SUL – E o Marista?
LACERDA – Quando ingressei no turno matutino, reencontrei Bernardo, aquele de quem perdi quando me candidatei pela primeira vez ao grêmio mirim. Resolvemos formar uma chapa. Na hora de escolher qual de nós seria o candidato a presidente, eu, já de olho na sucessão, sugeri que fosse ele o cabeça da chapa. Bernardo disse que não queria. Junto conosco estava Daniel Matias, filho do dono da Capuche, que na época ainda não era construtora, era loja de roupas. Daniel aproveitou a deixa e se ofereceu para ser o candidato. Daniel e eu éramos do mesmo ano. Fiquei meio constrangido com aquela situação. O resultado é que Daniel saiu como candidato à presidente e Bernardo a vice. Saí como tesoureiro, compondo a chapa. Esse nosso grupo começou a profissionalizar as campanhas no Marista. Foi nessa época que surgiu por lá camisa de chapa, banner, carro de som e fogos. Ninguém utilizava nenhum desses recursos de marketing político. Hoje em dia as campanhas são todas assim, copiando o que criamos no ano 2000. O aluno não era obrigado a votar na chapa toda: ele podia optar entres os diversos candidatos de todas as chapas e montar a sua própria composição. Pela primeira vez no Marista a gente conseguiu eleger uma chapa de cabo a rabo. Fizemos uma boa administração, no meio do ano fui passar uma temporada na França.
ZONA SUL – Como foi essa mudança tão brusca?
LACERDA – Minha mãe se formou em Administração e foi fazer uma pós-graduação na França. Mas ela não se adaptou e foi morar em Portugal. Fui morar em Paris, passei três meses lá estudando francês. Foi a minha primeira experiência no exterior. Naquela época a maioria dos meus amigos foi conhecer a Disney. Eu tive que optar entre ir com eles ou passar esse período na França.
ZONA SUL – Como você resolveu a questão escolar, passando três meses afastado da sala de aula?
LACERDA – As notas do segundo bimestre foram repetidas no terceiro. Fui no final de junho, depois de ter adiantado algumas provas, e voltei em setembro. Peguei todo o período de férias do meio do ano. Quando cheguei lá, minha mãe teve que voltar ao Brasil para resolver alguns problemas. Fiquei sozinho, estudando, mas sem dominar ainda a língua. Uma prima da minha mãe, Rosa Bonifácio, que morava em Paris, me deu um apoio. Fiquei um período em sua casa, mas ela trabalhava em uma multinacional e tinha que ir muito para a Espanha e para o México. No fim das contas, com 16 anos de idade, passei a maioria desse período sozinho em Paris. Conheci tudo só: Torre Eiffel, Mont-Parnasse, Versalhes... Fiz tudo só com uma câmera na mão, gravando. Hoje em dia nem sei se ainda tenho essa fita.
ZONA SUL – A imagem que o francês tem de ser um povo fechado confere com a realidade?
LACERDA – Me relacionei mais com jovens, que têm uma mente mais aberta, são mais compreensivos. Principalmente naquela idade – 16 ou 17 anos –encontrar um brasileiro representava uma novidade para eles. Não são fechados como seus pais ou outros que sobreviveram à segunda guerra mundial. Quando fui, no verão, a atmosfera era muito boa. A mentalidade do europeu muda completamente no verão. Eles passam nove meses do ano no frio, quando chega o verão, aproveitam, ficam mais leves e descontraídos. Com isso, não enfrentei muitos problemas. Tive dificuldade com relação à solidão, mas foi um aprendizado muito grande. Aos 16 anos eu nunca tinha forrado uma cama ou feito uma feira sozinho. Também nunca havia andado de metrô, pois Natal não tinha e nem tem até hoje. De ônibus eu costumava ir do Tirol, perto do Instituto Batista Bereiano, até Ponta Negra, na época em que eu era mesatenista.
ZONA SUL – Antes de mudarmos para essa sua faceta esportiva, vamos voltar só um pouquinho à sua estada no continente europeu: qual o nível de conhecimento que os franceses tinham do Brasil?
LACERDA - Há 12 anos, quando eu tive essa experiência, eles tinham do brasileiro uma imagem estereotipada. Eles ligavam a imagem do Brasil à da floresta Amazônica. Mas nunca me perguntaram nada absurdo. Como era 1998 e o Brasil tinha acabado de perder a copa do mundo para a França, eles falavam muito sobre futebol. Quando eu dizia que era brasileiro, eles brincavam “trois zero”, que significa três a zero, o placar da final da copa, que foi disputada em território francês. Eu respondia que o Brasil era tetra campeão do mundo, enquanto eles tinham apenas conquistado o primeiro título. Ficávamos nessa brincadeira, mas tudo de uma forma tranquila.
ZONA SUL – Vamos, então, ao tênis de mesa.
LACERDA – Comecei a jogar tênis de mesa aos dez anos, na AABB. Ao contrário do que pensam, exige muita aptidão física. Hugo Oyama, o maior mesatenista do Brasil, tem o mesmo preparo físico de Cafu no auge da carreira como jogador. Precisa muita explosão, tudo é muito rápido. Apesar de ser um esporte individual, a gente tinha muito espírito de equipe.
ZONA SUL – Como foi sua performance atuando no tênis de mesa?
LACERDA - Fui terceiro lugar no campeonato brasileiro por equipes, disputado no Ceará. É bom salientar que quatro equipes disputaram a competição, e duas se classificaram em terceiro lugar. (risos). Perdemos a semifinal mas ganhamos uma medalha. Como vascaíno, honrei a tradição do clube: meu melhor resultado foi ser vice-campeão dos JERNs. Foi um campeonato muito disputado, mais de 30 atletas participaram. Fui atleta filiado à Confederação Brasileira de Tênis de Mesa e joguei no Nordeste todo. Eu era ranqueado pela confederação. Cheguei a bater bola com Hugo Oyama: ele levantava e eu cortava. Eu não conseguia ganhar o ponto nunca. Ele ficava no fundo levantando para eu cortar. Ele passava uns cinco minutos, apenas se defendendo, até eu errar. É um nível muito elevado. Me afastei do tênis de mesa quando entrei no primeiro ano, justamente por causa do grêmio. Troquei o esporte pela política, igual a Romário. Só que ele alcançou muito mais sucesso.
ZONA SUL – Você falou de seu lado como interessado em política e no esporte. Diga agora como era o Marcos Lacerda estudante.
LACERDA – Eu era excelente em História e Geografia e bom em Português, Inglês e Francês. Medíocre em Biologia e Física e péssimo em Química e Matemática. No primeiro ano que fiz vestibular - prestei para a UFRN e para a Universidade Federal da Paraíba – chutei tudo letra C em Química. De 15 questões, acertei três.
ZONA SUL – Conseguiu ser aprovado?
LACERDA – Não logrei êxito. No outro ano fiz para a FARN e passei.
ZONA SUL – Foi aprovado em qual curso e por que optou por ele?
LACERDA – Direito. Não sei propriamente o porquê. Meu pai é Engenheiro, minha mãe é Administradora. Ninguém na minha família era formado em Direito. Nem sequer eu pensava em prestar concurso. Interessante é que desde os nove anos eu dizia que seria advogado. Nem eu sabia o motivo. Talvez eu já gostasse de política e associasse o fato de o advogado usar paletó e gravata, como o político. Fiz para Direito, passei aos 19 anos, na FARN. Lá percebi um vácuo: tinha DCE, mas não havia ainda centro acadêmico de Direito. Já gostando de política - telespectador assíduo das TVs Senado e Câmara, leitor das páginas políticas dos jornais - resolvi incentivar a formação do centro acadêmico de Direito. Antes da montagem desse centro acadêmico eu estava um pouco desiludido com a política.
ZONA SUL – Qual o motivo?
LACERDA – Para explicar, presico voltar ao período do grêmio do Marista, quando minha chapa foi eleita e eu viajei para a França. Em Paris recebi uma carta por meio da qual Bernardo pedia para eu voltar logo, alegando que o grêmio estava uma bosta. Ele reclamava que estava trabalhando sozinho e que Daniel Matias só queria aparecer, como presidente. Quando voltei, tocamos a gestão. No final do ano, Bernardo – ele já no pré-vestibular e eu no segundo ano – me disse que seria candidato e eu seria o vice dele, para tirar Daniel. E que no ano seguinte eu seria o candidato a presidente. A princípio, concordei, mas, conversando com meu pai, ele ponderou que no ano seguinte eu estaria me preparando para o vestibular. Da mesma forma, Bernardo, se eleito, se dedicaria ao vestibular e eu seria obrigado a tocar sozinho o grêmio. No ano seguinte eu corria o risco de me dedicar de novo ao grêmio e não passar no vestibular. Atendendo a sugestão do meu pai, procurei Bernardo e disse a ele que eu seria candidato a presidente do grêmio naquele ano. A chapa que estávamos formando era quase toda composta por pessoas indicadas por mim. Bernardo retrucou que não iria desistir, não abriria mão. Então rachamos. Montei a minha chapa, e ele fez a dele. A campanha foi acirradíssima. Até então, éramos amigos e irmãos. O vide de Bernardo era Daniel Matias. Eu tinha guardado a carta que ele havia me enviado. Chamei Daniel, na presença de toda da minha chapa, e mostrei a ele a carta na qual Bernardo detonava ele. Algumas pessoas foram contra aquilo, pediram para eu esquecer, alegaram que era jogo sujo. Daniel leu a carta estarrecido. Daniel Matias ligou para Bernardo e o chamou para a sala. Ficou um mais branco do que o outro. Mesmo assim Bernardo pediu desculpa, disse que era negócio de momento, e continuaram juntos. Resolvi divulgar a carta para o colégio todo. Eu tinha 16 anos. Fui orientado a não fazer isso, porque criaria um mal estar. A campanha já estava baixo nível. Foi tão acirrada que em um universo de 1800 eleitores eu perdi por 11 votos. Minha chapa toda foi eleita e eu perdi. Bernardo fez a gestão dele com a minha diretoria. No outro ano, eu ainda sentia aquele desejo – que já estava virando obsessão, acima de qualquer coisa. Me candidatei de novo e perdi feio para uma menina do primeiro ano, Rebeca. Fiquei com auto-estima baixa, desiludido. Passaram a me chamar de Lula. Até então Lula não tinha vencido nenhuma eleição majoritária. Ninguém imaginava que no ano seguinte ele se elegeria para a Presidência da República. Fiquei muito cabisbaixo, desacreditado. Foi quando entrei na FARN e resolvemos montar nosso centro acadêmico.
ZONA SUL – Imagino que essa eleição para o CA você venceu.
LACERDA – A princípio eu seria candidato a vice de Davidson Gurgel. Eu estava no primeiro ano de Direito e ele já estava no terceiro. Davidson começou a estudar Direito em Coimbra, e depois transferiu para Natal. Montamos a chapa, era a única que disputaria a eleição. Na hora de oficializar a inscrição, Davidson Gurgel não estava matriculado na faculdade. Resolvemos convocar nova assembleia. Surgiu uma chapa e eu lancei outra, comigo candidato a presidente. Montei uma chapa bem eclética, composta por alunos de todos os anos, pois eu precisava do máximo apoio possível. Eu já tinha decidido: se não ganhasse a eleição não me candidataria mais nem a síndico de prédio de quatro andares. Ganhei por cinco votos: 162 a 157.
ZONA SUL – Geralmente esses órgãos representantivos estudantis sofrem forte influência político-partidária. Isso ocorreu no seu caso?
LACERDA – Ocorre mais nas faculdades maiores. Na FARN não havia influência de nenhum partido. O presidente do DCE, Kleber Fernandes, era do PSB. Depois ele deixou esse partido e foi para o PDT, a convite de Brizola Neto. Sucedi Kleber na presidência do Diretório Central dos Estudantes, em 2005. Ganhamos fácil. No outro ano fui reeleito, chapa única. Então Kleber me chamou para entrar no PDT. Aceitei o convite. Kleber era presidente da juventude estadual do partido e eu presidi a juventude municipal de Natal. Antes de me filiar, li o estatuto do Partido Democrático Trabalhista e me identifiquei, sobretudo, com a questão do nacionalismo. Geralmente o jovem, na sua visão utópica de mundo, se identifica com o socialismo, com a igualdade e todos esses princípios. Hoje não sou mais filiado. Recentemente requeri minha desfiliação, em virtude de trabalhar com pessoas ligadas ao PMDB.
ZONA SUL – Você disse que não sabia o motivo pelo qual escolheu Direito. Quando você ingressou nesse curso se identificou com ele?
LACERDA – Levei o curso, até o quarto ano, praticamente nas coxas. Eu fazia inglês, no Senac, das 7h30 às 9h30. De lá ia para um estágio. Eu nunca gostei de pedir dinheiro aos meus pais, ainda mais quando começou a crescer barba na minha cara. Comecei a estagiar já no primeiro ano de curso. Estagiei no Siqueira Castro Advogados, um escritório do Rio de Janeiro com filial em Natal. Depois estagiei no Assunção Neves, também escritório de advocacia. Eu estagiava das 10 às 18. Saía de lá e ia direto para a faculdade. Ficava na faculdade até às 10 e meia. E ainda tinha que dar conta do centro acadêmico e do diretório central. De segunda à sexta eu costumava chegar em casa às onze da noite. Da sexta para o sábado eu chegava às sete da manhã, porque depois da aula eu ia para a farra. Amanhecia no Bella Napoli tomando whisky e ouvindo Manoel tocar piano. Chegava às sete da manhã com a mesma cueca que tinha vestido na manhã do dia anterior. Durante o curso de Direito adquiri uma preferência pelo direito público, pelo direito constitucional, pelo direito eleitoral e pelas matérias propedêuticas (filosofia do direito, sociologia e ciências políticas). Senti uma pequena aversão ao direito privado. Não uma aversão completa, mas senti menos interesse. Me interessei mais pela parte política.
ZONA SUL – Terminado o curso, o que você resolveu fazer da vida?
LACERDA – Prestei exame para a Ordem dos Advogados do Brasil e passei, em maio de 2009. Recebi a carteira definitiva em julho do mesmo ano. No mesmo período me candidatei a um mestrado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fui aceito no mestrado de ciências jurídico-políticas. Morei durante um ano em Lisboa e vi quatro matérias: Direito Constitucional, com o professor Jorge Miranda (meu orientador e um dos papas do direito constitucional do ocidente); Direito Administrativo, com o professor Vasco Pereira da Silva (também uma sumidade no direito administrativo português); Ciências Políticas, com o professor Luis Pereira Coutinho; e Direitos Jurisdicionais, com a professora Ana Cândido. Passei um ano em Lisboa e voltei para o Brasil. Escrevi minha dissertação de mestrado e entreguei agora em maio.
ZONA SUL – A opção por Lisboa foi pelo fato de a sua mãe estar morando lá?
LACERDA – Sim. Como ela não se adaptou ao idioma francês e nem ao clima, aceitou o convite de uma amiga que já morava em Portugal e tinha colocado uma empresa de limpeza industrial. Eu já tinha ido outras vezes, antes do mestrado, para visitá-la. Sempre tive vontade de passar um período fora, de estudar em outro país. A questão do idioma e do clima ajudaram na escolha. Lisboa é a capital mais quente da Europa.
ZONA SUL – O brasileiro é bem recebido em Portugal?
LACERDA – Não, definitivamente não. Eles têm recalque porque o povo brasileiro é criativo, extrovertido e, apesar das dificuldades, é de bem com a vida. O português não é nada disso, com raras exceções.
ZONA SUL – O português conta piada de brasileiro?
LACERDA – Não escutei muita piada de brasileiro. Eles contam piada de português. Eles contam as mesmas piadas de portuguès que contamos no Brasil. Só que os personagens dessas piadas são os portugueses do Alentejo, aqueles que vivem na zona rural. É como se fosse o paulista e o carioca contando piada de nordestino. O alentejano é o matuto deles.
ZONA SUL – O lisboeta se encaixaria no perfil de português das piadas contadas no Brasil?
LACERDA – Eles se encaixam também. Acho que é injusto o que eles fazem com os alentejanos.
ZONA SUL – Você foi vítima de alguma disciminação em Portugal por ser brasileiro?
LACERDA – A maioria dos brasileiros que está lá é para trabalhar em obras e tomar postos de trabalho deles. Quando você chega de paletó, gravata e sobretudo, todo alinhado, diz que é advogado e veio fazer um mestrado, é bem tratado. Eu fui muito bem tratado, mas ouvi compatriotas - pessoas que não tiveram a mesma oportunidade de criação e educação que eu tive - que foram lá para trabalhar e sofreram muita discriminação.
ZONA SUL – Você aproveitou o fato de estar morando em Portugal para visitar outros países da Europa?
LACERDA – Não. O meu dinheiro era contado, só dava para estudar. E eu não queria pedir dinheiro para passear. Eu já tinha ido à Alemanha, em 2006, assistir a Copa do Mundo. Fui com um amigo. Acampamos e ficamos em albergues. Eu já tinha ido outras vezes a Portugal, à França e à Itália. Na Alemanha fui no verão. Estive no Museu dos Judeus, em Berlin. Também tive no muro. No museu vi fotos e os aparelhos com os quais os judeus foram torturados. Tem também documentos, roupas que eles usavam nos campos de concentração. Na copa do mundo da Alemanha tomei muita cerveja. Não achei o povo alemão frio. A nova geração já superou a questão da segunda guerra e do pós–guerra, quando  o país foi dividido em dois. Visitei também o Checkpoint Charlie, que é o nome dado pelos Aliados a um posto militar entre a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental durante a Guerra Fria. Muitos foram assassinados ao tentar fugir do leste para o oeste de Berlin. Isso até 1989. Aconselho ir para a Europa quem gosta de história, de observar outras culturas. Se for só para comprar roupa, compre pela Internet, vá à Miami ou à 25 de Março, em São Paulo. Fui a Roma, que é o berço da cultura ocidental. Fui ao Vaticano, mas não vi o Papa. Visitei o túmulo de João Paulo II. Fui lá na cúpula da Basílica de São Pedro. Fui ao Coliseu e ao Antigo Fórum Romano.
ZONA SUL – Fale sobre o seu mestrado em Lisboa.
LACERDA - O tema da minha dissertação foi “A participação do poder executivo no processo legislativo”, no caso o brasileiro. No meio do meu trabalho faço comparações do modelo brasileiro com o modelo português, europeu e latino americano. A interferência do executivo no legislativo não é um privilégio, entre aspas, do Brasil. É uma necessidade depois que vários direitos foram constitucionalizados e o estado, para dar uma resposta célere, teve que criar uma alternativa por não poder esperar pela tramitação morosa que é a do processo legislativo. Temos situações que são urgentes, têm que ser resolvidas e não podem esperar.
ZONA SUL – Então você concorda que o Congresso deva ser tão subserviente ao Executivo, como ocorre hoje no Brasil?
LACERDA – De uma certa forma, concordo. No Brasil o que a gente tem é um presidencialismo de coalizão onde o presidente da República, para poder governar, precisa de uma maioria no Congresso. Essa maioria é formada, infelizmente, através de um fisiologismo e de um clientelismo que caracterizam a política brasileira.
ZONA SUL – Qual seria então o modelo ideal?
LACERDA – Seria o modelo estadounidense, o modelo norte-americano. Lá o presidente da República não dispõe de poder de iniciativa. Aqui no Brasil tem matérias que só o presidente pode tomar a iniciativa. Nos EUA eles não têm nada parecido com o regime de urgência. Aqui a gente tem o regime de urgência de 45 dias. Lá eles não têm lei delegada, onde o Poder Legislativo autoriza o Executivo a legislar sobre determinado assunto. Muito menos nada parecido com medida provisória. Aqui no Brasil temos mecanismos que permitem ao presidente da República dominar o poder.
ZONA SUL – Ao retornar de Lisboa para o Brasil, que rumo a sua vida tomou?
LACERDA - Cheguei de Lisboa em junho de 2010 e comecei a advogar no escritório Siqueira Castro, onde fiz o meu primeiro estágio. Também apareceu a oportunidade de trabalhar no IPEM. Fui assessor jurídico de lá por seis meses. É o instituto de pesos e medidas, que representa o Inmetro no Rio Grande do Norte. Quando o então senador Garibaldi Alves Filho estava prestes a assumir o Ministério da Previência, depois que Dilma ganhou a eleição, bati na porta de Lindolfo Sales em busca de uma oportunidade. Sempre tive uma amizade fraterna com João Henrique Sales, filho de Lindolfo. Intiui que Lindolfo integraria a equipe do Ministério e fui lá em busca de uma chance de buscar aperfeiçoamento profissional e pessoal. Vim para Brasília no começo de 2011 sem saber qual função eu iria assumir, nem quanto iria ganhar, nem nada.
ZONA SUL – Como está sendo trabalhar no Ministério da Previdência Social?
LACERDA – Estou na assessoria parlamentar. Entre outras atividades, o meu trabalho é apresentar para os parlamentares os argumentos do Ministério da Previdência Social a respeito dos diversos projetos que tramitam por lá. A experiência está sendo bastante enriquecedora. Tenho certeza que ao final do meu período deixarei o Ministério muito mais qualificado profissionalmente e como ser humano do que quando entrei.
ZONA SUL – Fale das suas pretensões. O que você espera do futuro. Quais seus planos?
LACERDA – Pretendo voltar a Lisboa ainda esse ano para defender minha tese. Pretendo algum dia me candidatar a algum cargo público, mas não é objetivo imediato. Seria consequência de um trabalho que eu venha a fazer. Estou me preparando para ser professor de faculdade, do curso de Direito e também quero ser advogado. Tudo é consequência. Hoje estou mais na fase de aguardar os acontecimentos e ver para onde a vida me leva.
ZONA SUL – Como é residir em Brasília mantendo a família em Natal?
LACERDA – É uma arte: não é fácil, mas é superável. Eu e a minha esposa, Carolina Machado Lacerda, estamos superando. Quando a conheci ela sabia do meu desejo de passar por experiências, de amadurecer profissional e pessoalmente. Ela entende que essa fase é importante para o nosso futuro. Carol tem dois filhos: João Vitor e Pedro Henrique. Neles enxerguei a família que eu não pude ter. Como falei, sou filho de pais separados. Fui criado pelos meus avós, meu pai de um lado e a minha mãe de outro. Vou quase todo fim de semana a Natal. Assim a gente vai levando. Carol é formada em Administração e está trabalhando na prefeitura. Somos felizes, apesar da distância. Há um ano e meio estamos assim.
ZONA SUL – O que você acha que esquecemos de conversar?
LACERDA – O essencial foi conversado nessas duas horas.
ZONA SUL – Mande um recado para o leitor do Zona Sul.
LACERDA – Corra atrás dos seus sonhos e enxergue a vida sempre da mesma forma como está a minha taça de vinho nesse momento: nem vazia e nem completamente cheia. Tudo na vida tem um lado bom e um outro ruim. A gente tem que procurar ser feliz, tentar sempre enxergar o lado bom das coisas. Estar em Brasília tem o lado ruim de estar longe da família, mas tem o lado bom de poder me realizar profissionalmente. Temos que enxergar a vida de uma forma que nos permita ser feliz.

Um comentário:

  1. A entrevista nos proporciona conhecer melhor essa personalidade dotada de caráter nobre. Parabéns!

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