segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Entrevista: Paulo Lima


O HOMEM FORTE DO AGRESTE POTIGUAR

Paulo José de Lima nasceu em São Paulo do Potengi no ano de 1950. Se fosse natural do Sertão – e não do Agreste, como é - esse fotógrafo potiguar radicado em Brasília confirmaria a tese levantada por Euclides da Cunha no seu principal livro, “Os Sertões”. O jornalista de Cantagalo escreveu: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Certamente quem conhece Paulo Lima apenas superficialmente vai estranhar essa minha comparação. Deverá estar se perguntando agora: como Paulinho pode ser equiparado ao nordestino de pele queimada e curtida pelo sol, portador de músculos esculpidos na batalha diária de afastar a fome de si e de sua família, e dono de um comportamento rude e áspero pela falta de uma melhor formação educacional? Essa mesma pessoa poderá estar pensando: “Paulo Lima é exatamente o contrário: baixa estatura, franzino, branco como são todos aqueles que raramente se expõem ao sol, tranquilo, fala mansa, extremamente educado, fino, elegante, discreto...”. Não culpo quem chegar à conclusão de que “o autor dessa apresentação deve estar louco!”. Mas, não. Não estou maluco. Paulo Lima é um sobrevivente, um batalhador, um trabalhador, um forte! Graças à sua persistência, ele deixou o roçado e o posto de substituto do pai no balcão da “venda” da família no Rio Grande do Norte para se transformar no fotógrafo mais querido pelas socialites do Distrito Federal. Vamos ver, agora, como isso tudo aconteceu. (robertohomem@gmail.com)


ZONA SUL – Como se chamava o seu pai?
PAULO – Gregório José de Lima. Ele era comerciante. Tinha o que, antigamente, se chamava de mercearia. Hoje mudou o nome para supermercado ou alguma coisa do gênero. Deixou a vida de comerciante quando foi nomeado juiz de paz. Minha mãe, Sebastiana Maria de Lima, também era comerciante. Tinha uma loja de papelaria.
ZONA SUL – Fale um pouco sobre os seus irmãos.
PAULO – Éramos oito irmãos, mas, infelizmente, um morreu. Restamos sete.
Apenas um, César, continua morando em São Paulo do Potengi. Ele tem uma pequena loja de conserto e venda de peças para eletrodomésticos. O que faleceu, Lázaro, também morava lá. Ele tinha um bar. Era gêmeo de César. Sua esposa tinha uma loja de roupas, uma butique, digamos assim. Lázaro morreu do coração. Os demais construíram a vida em Natal. Edson, o mais velho, tem uma marmoraria. Ele é o pai da jornalista Eliana Lima, da Tribuna do Norte. Depois vem a Edite, ela tem uma deficiência visual, enxerga pouco. Antonio é aposentado. Estudou em Recife para ser padre, mas desistiu e foi trabalhar em uma empresa de turismo. João se dedicou à vida de mecânico. Meu pai, sabendo que ele não queria estudar, comprou uma oficina, para ele, em Natal. O caçula, Celso, morou comigo na Casa do Estudante de Natal. Consegui trazê-lo de São Paulo do Potengi. Nessa época eu trabalhava no Touring Club do Brasil. Cedi essa vaga a ele e fui para as Confecções Guararapes. Depois de um tempo ele foi convidado para trabalhar na Secretaria de Fazenda da Prefeitura de Natal. Começou, ainda de menor, trabalhando na entrega de carnês do IPTU. Depois fez concurso e passou a ser fiscal de tributos. Com o tempo virou auditor fiscal.
ZONA SUL – São Paulo do Potengi, hoje, tem mais de 15 mil habitantes, A cidade tinha quantos moradores naquela época?
PAULO – Não sei responder, mas o certo é que a cidade evoluiu bastante, daquele tempo para cá. Morei lá até completar 14 anos. Eu ajudava o meu pai no trabalho. Ele não queria ver a gente dormindo até mais tarde. Com oito anos de idade, eu já trabalhava, ajudando na mercearia. Meu pai também tinha um roçadinho, onde eu pegava na enxada, capinava. Na mercearia, aos dez anos, eu já vendia os produtos, na ausência do meu pai.
ZONA SUL – Nas horas de folga, você costumava brincar do que?
PAULO – Eu gostava de futebol e de jogar pião. No futebol, eu era atacante. Era rápido e fazia muitos gols. Algumas vezes os colegas diziam: “hoje você está elétrico!”. Eu era mesmo muito rápido.
ZONA SUL – E os estudos?
PAULO – Estudei, até os 13 anos, em São Paulo do Potengi. Primeiro em uma escola pública e, depois, em um colégio particular dirigido por freiras. Saí da cidade para prosseguir os estudos, em Ceará-Mirim. Fui, como interno, para a escola agrícola de lá. Minha família continuou em São Paulo do Potengi.
ZONA SUL – Você sofreu muito com a mudança?
PAULO – A princípio, não foi fácil. Minha mãe não queria, de jeito nenhum, que eu saísse do seu convívio. Talvez por eu ser o filho mais ligado a ela. Esqueci de dizer que, além da mercearia, meu pai, logo no início, tinha uma desnatadeira para separar a gordura do leite e produzir manteiga e queijo. Ele comprava o leite, desnatava, fazia a manteiga e o queijo e levava para vender em Natal. Quando meu pai acabou com esse comércio, mamãe passou a fazer para o consumo de casa. E, com nove anos, eu ajudava muito a ela. Eu fazia tudo: moía o leite para tirar a nata - a manteiga - de um lado e o leite desnatado do outro.  Ajudava a fazer o queijo. Sempre fui o filho que mais gostei de trabalhar e o mais apegado à minha mãe. Modestamente falando, nunca fui preguiçoso. (risos) Eu ajudava muito a minha mãe na fabricação do queijo e também colaborava com o meu pai na mercearia. Quando ele viajava para Natal para levar os queijos e a manteiga, toda semana, eu ficava na mercearia.
ZONA SUL – Para sua mãe não deve ter sido fácil concordar com a sua ida para morar em Ceará-Mirim.
PAULO – É verdade, por isso meus pais não queriam que eu fosse. Eu tinha 13 anos quando resolvi pedir a um primo que ajudasse a convencer minha mãe a me deixar ir. Ele tinha estudado no Colégio Agrícola de Jundiaí. Além de gostar de trabalhar, sempre adorei estudar. No primário, minhas notas foram ótimas. Por tudo isso, minha mãe me olhava com muito carinho. Meu primo pediu para eu fazer a prova de seleção, que seria realizada no Colégio Agrícola de Jundiaí. Os testes eram para a primeira turma de alunos da escola de Ceará-Mirim, que seria aberta no ano seguinte. Depois de muito meu primo insistir, minha mãe me autorizou a fazer a prova. Fiz e passei em terceiro lugar. Disputei com mais de 200 outros candidatos. Desse total, 49 foram aprovados. Posso dizer com orgulho que sou da primeira turma do Colégio Agrícola de Ceará-Mirim!
ZONA SUL – Você ainda não respondeu se enfrentou muitas dificuldades com a mudança de São Paulo do Potengi, de junto da família, para o internato em Ceará-Mirim.
PAULO – Sim, no começo senti muito. Nas primeiras semanas a saudade era tanta que eu tinha vontade de ir todo sábado visitar meus familiares. Por eu ser muito apegado aos meus pais, dava uma agonia, um desespero... Eu era um adolescente, um garoto de 14 anos. Com o tempo, as visitas foram passando a ser feitas de mês em mês, de semestre em semestre... E, por fim, só nas férias. Com o tempo, fui me adaptando. Quando completei 16 ou 17 anos, eu já ia com menos frequência. Nas férias ia a São Paulo do Potengi, passava uns dias, e viajava para Natal.
ZONA SUL – O Colégio de Ceará-Mirim provoca saudades em você? Quais as recordações daquele tempo?
PAULO – A lembrança mais forte que tenho daquela época é o conjunto musical que foi criado no colégio. Eu tocava triângulo, um colega era o responsável pelo violão, outro pela sanfona. Tinha um terceiro, no pandeiro. O repertório era Luiz Gonzaga e aqueles forrós que faziam sucesso naquele tempo.
ZONA SUL – Você entrou nessa banda porque gostava de música ou seu objetivo era impressionar as mulheres?
PAULO – (risos) Acho que foi pelos dois motivos. Naquela época, de tudo eu gostava um pouco, mas o que eu não perdia mesmo era o futebol. Eu sempre era o primeiro a chegar no futebol de salão, e o último a sair.
ZONA SUL – Ceará-Mirim, hoje, tem quase 70 mil habitantes. É mais do que quatro vezes a população de São Paulo do Potengi. Naquela época a diferença entre um município e outro deveria ser proporcional. Mudar para uma cidade tão grande o impressionou?
PAULO – Sim, fiquei impressionado com o tamanho da cidade, com a maior quantidade de pessoas nas ruas e com o comércio, que também era bem mais diversificado. Fiquei em Ceará-Mirim de 1964 a 1968. Foi o tempo de completar o curso. De lá fui estudar na Escola Técnica Federal, que hoje se chama Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Fui morar, em Natal, na casa de um irmão. A princípio ele não concordava muito que eu fosse morar com ele. Mas, a esposa dele, minha cunhada - percebendo que eu queria estudar e que estava batalhando para vencer na vida - ficou ao meu lado. Ela ajudou a convencer meu irmão a concordar que eu ficasse morando lá para poder estudar. Eu já frequentava a casa deles. Nas férias da escola de Ceará-Mirim ou nos feriados prolongados, eu ia para lá pensando em já me acostumar com Natal.
ZONA SUL – Ela conseguiu convencer o marido?
PAULO - De tanto insistir, meu irmão cedeu aos pedidos da esposa. Meus pais também pediram a meu irmão para eu morar lá. Matriculei-me no curso de técnico em Edificações, mas estudei apenas um mês. Fui prejudicado porque estava perdendo muitas aulas. Meu irmão tinha uma mercearia. Quando ele saía, me deixava tomando conta. E eu não podia ir para a escola. Para não ser mais prejudicado ainda e correr o risco de perder o ano letivo, resolvi sair da Escola Técnica. Fui cursar o científico no Padre Miguelinho. Como meu turno era o noturno, eu não era atrapalhado quando tinha que passar o dia no comércio do meu irmão. Ainda fiquei morando com ele durante um ano, até que consegui uma vaga e fui morar na Casa do Estudante de Natal.
ZONA SUL – Você morou na Casa do Estudante em qual ano?
PAULO – Em 1970.
ZONA SUL – Nesse ano a ditadura estava no auge. Você sentiu esse clima morando na Casa do Estudante? Envolveu-se politicamente com alguma atividade?
PAULO – O clima era realmente muito tenso, já que alguns colegas tinham uma tendência de esquerda. E eu nunca fui adepto dessa ideologia. Ao contrário: quando completei 19 anos fui colaborar com a Polícia Civil. Eu tinha carteira e tudo, da instituição. Pelo fato de eu ser colaborador da Civil, fui ameaçado. A princípio minha situação ficou complicada, até quiseram me bater. Um colega que estava comigo foi quem me defendeu, naquela hora. Alguns estudantes achavam que eu tinha denunciado um dos moradores da Casa, que havia sido preso. Mas, não fui eu. Minha atividade dentro da Polícia Civil não era política. Eu não estava lá para investigar nada disso, mas para cooperar na área criminal, no combate ao crime.
ZONA SUL – Como se deu essa sua aproximação com a Polícia?
PAULO – Meu pai alugava uma casa para o delegado de polícia de São Paulo do Potengi, que era muito bem relacionado com o secretário de Segurança Pública. Então esse delegado falou para o secretário que eu era uma pessoa idônea, que tinha bons antecedentes pessoais e familiares, e me indicou. Eu não recebia nada pelo trabalho, era um serviço voluntário.
ZONA SUL – Pelo que se deduz da história da sua vida, você nunca teve objetivos políticos, mas sempre buscou se preparar para construir as bases de um futuro melhor. Paralelo ao curso no Padre Miguelinho você conseguiu algum emprego? Qual sua primeira atividade em Natal, depois do período em que passou ajudando o seu irmão na mercearia?
PAULO – Quando fui morar na Casa do Estudante, arrumei um emprego no Touring Club. O Touring vendia títulos que davam direito à assistência técnica, oficina e reboque. Eu cobrava dos sócios, todos os meses. Meu trabalho era voltado para a área de cobrança. Também com essa meta de vencer na vida, trabalhei como cobrador em uma loja no Alecrim, que não recordo o nome. Fiquei nesse emprego até o dia em que eu estava fazendo uma cobrança e o cliente jogou um copo de água na minha cara. Fui cobrar dele e saí todo molhado. A história foi assim. Quando cheguei, logo apresentei a cobrança, mas ele disse que não estava devendo. Falei que tinham me mandado cobrar, e que eu não tinha culpa. Naquele bate boca, ele disse: “aguarde que vou buscar o seu pagamento”. Ele voltou e jogou a água no meu rosto. “Vá embora daqui, rápido!”.
ZONA SUL – Essa foi a única vez em que você se sentiu ameaçado?
PAULO – Trabalhando com cobrança, sim. Quando eu estava no Touring Club, o então governador Lavoisier Maia era cliente. Fui algumas vezes pegar a mensalidade em sua casa. Ele sempre pagou direitinho. Quando deixei a vida de cobrador, depois de passar por uma loja instalada no Alecrim, fui trabalhar com faturamento no escritório das Confecções Guararapes.
ZONA SUL – Até então a fotografia significava alguma coisa para você?
PAULO – Sempre gostei de fotografia, mas era um hobby caro. Eu não tinha condições financeiras, ainda, de mexer com foto. Quando morava na Casa do Estudante, eu passava muito em frente a um foto que tinha na Cidade Alta, perto do Palácio Potengi. Eu ficava olhando para aqueles retratos. Parece que era uma intuição que eu tinha.
ZONA SUL – Você saiu da Guararapes com qual idade e foi fazer o que da vida?
PAULO – Saí com 26 anos. Fui para Brasília, estudar. Eu tinha um primo, Stoessel, que já morava em Brasília desde 1974. Era militar. Ele vivia me chamando, dizia que lá eu teria muitas chances de vencer na vida. Uma tia também morava em Brasília, com seus dois filhos. Liguei para ela, para sondar, mas minha tia colocou muita dificuldade. Terminou concordando em me hospedar quando falei que queria só passear na capital do Brasil. Disse que vinha apenas passar as férias. O apartamento da minha tia era realmente pequeno, e as dificuldades eram muitas. Tinha dois quartos, sala e cozinha. Em um quarto, minha tia morava com uma neta. No outro ficavam os dois filhos, meus primos. Eu dormia na sala. Naquela época eu achava que o segundo grau não era suficiente para mim: eu queria estudar mais. Um desses primos sentia certo ciúme pelo fato de eu gostar muito de estudar. Quando ele me via lendo, dizia que eu estava gastando energia. Rapidamente comecei a conhecer Brasília e descobri a Biblioteca Demonstrativa de Brasília, na W3 Sul. Às vezes eu ia lá a pé, para economizar, já que o dinheiro que eu havia trazido não era muito. Eu não podia gastar porque sabia que não ia voltar para Natal.
ZONA SUL – E o emprego na Guararapes?
PAULO – Eu já havia pedido as minhas contas, ao deixar Natal. Não viajei para Brasília de férias. Então, naquela dificuldade até para estudar à noite, falei com Stoessel. Mas ele morava em uma república que já estava com todas as vagas ocupadas. Foi quando resolvi fazer algum concurso. Fiz a inscrição em três: Correios, DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) e Polícia Federal. Isso tudo em um período de um mês após eu chegar. O resultado do concurso dos Correios saiu logo: fui aprovado. Contei à minha tia e aos meus primos que tinha passado nesse concurso e pedi para eles me segurarem mais um pouquinho, até eu começar a trabalhar e receber meu primeiro salário. Meu primo mais velho era legal, o mais novo encrencava mais. O fato é que cumpri o que tinha prometido: quando recebi meu primeiro vencimento, saí de lá. Fui morar em um apartamento pequeno, dividindo com seis. Era uma república, no Cruzeiro. Como era muito apertado, de manhã, quando alguém ia tirar algo do guarda-roupa, eu tinha que levantar da minha cama de campanha para a porta poder ser aberta. Com os salários seguintes, fui me organizando e passei a procurar um lugar melhor para morar. Mudei para Taguatinga, para outra república. Era mais espaçoso e eu dividia meu quarto apenas com uma pessoa. Era muito mais confortável. Morei um bom período. Nesse tempo, trabalhando nos Correios, saiu o resultado do DASP. Aprovado, fui chamado para trabalhar lá. Tive que assinar um termo desistindo desse concurso. Preferi os Correios porque lá tinha concurso interno de seis em seis meses. Havia a possibilidade de crescer internamente. Não passei na Polícia Federal. Tinha que fazer 70 pontos, fiz 68. Furei uma resposta errada no gabarito. Ainda tentei colar, apertando. Mas não deu certo. Como eu estava nos Correios, nem me importei muito. Comecei como auxiliar administrativo, com seis meses fui aprovado, entre os primeiros colocados, em um concurso interno para assistente. Outros seis meses depois teve para técnico administrativo. Fiz e passei também.
ZONA SUL – E a fotografia?
PAULO – Meu primo, Stoessel, tinha uma loja de fotografia em Brasília. Eu tinha casado em 1980 com uma moça de Sete Lagoas (MG). Com ela tive uma filha, Paula. Eu sempre tirava fotos da menina. Stoessel me chamou para fotografar congressos e outros eventos. Aceitei. Foi assim que entrei na fotografia. A chefe da comunicação dos Correios, Aldenira Cabral, soube que eu estava mexendo com fotografia nas horas vagas e me convidou para trabalhar com ela e ser fotógrafo do diretor regional dos Correios. Continuei a cobrir os grandes eventos sociais e fui me entrosando. Comecei a gostar. Eu aproveitava as horas vagas para desenvolver esse trabalho paralelo. Muitas vezes eu deixava de almoçar para ter tempo de levar filmes para revelar e copiar no laboratório, para eu poder entregar à noite. Assim fui começando na fotografia e, também, fazendo os meus trabalhos particulares. Tirei umas férias e nem viajei: dediquei-me unicamente à fotografia, só fazendo eventos e ampliando a minha clientela. Foi quando conheci o empresário Paulo Octávio e ele me convidou para ser o seu fotógrafo. Comecei a fotografar para ele nos finais de semana, feriados e durante a noite.
ZONA SUL – Você já faturava mais na fotografia do que nos Correios?
PAULO – Ainda não, porque não tinha tempo. As pessoas às vezes me chamavam para eventos, mas eu recusava o convite por falta de tempo. Foi quando vi que meu caminho não era dentro dos Correios, mas na fotografia. Pedi uma licença sem vencimentos de dois anos. Eu queria garantir o emprego, caso não desse certo na fotografia. Tirei a licença e fui trabalhar. Fiquei fotografando para Paulo Octávio e cobrindo eventos com meu primo. Comigo o trabalho podia ser qualquer dia e qualquer hora. Tendo serviço, eu estava lá. Nesse período conheci o jornalista Gilberto Amaral, que era colunista social do Correio Braziliense. Ele me chamou para fazer as fotos de sua coluna. Topei. Fui ampliando a clientela, fazendo fotos e ganhando dinheiro. Fui me entrosando, conhecendo mais e mais pessoas no meio social. Nesse período também foi lançada a primeira revista de Brasília, chamada Classe A. Vera Lúcia Rocha, a dona, me convidou para ser fotógrafo de lá. Trabalhando nisso tudo e também fotografando eventos particulares, percebi que era daquilo que eu gostava.
ZONA SUL – O que você fez quando expirou sua licença sem vencimentos?
PAULO - Retornei ao trabalho, mas não por muito tempo. Passei a ter atritos com colegas, nos Correios. Confesso, com toda a sinceridade, que cheguei ao ponto de ameaçar um deles. Jurei que da próxima vez que ele me irritasse eu daria um tiro na sua boca. Eu estava andando armado com revólver. Vivia com dor de cabeça. Aquilo não era normal, eu não era daquele jeito. A cabeça só faltava estourar. Cheguei a fazer um eletro para saber se eu tinha algum problema na cabeça, de tanta dor que eu sentia. Pedi a Deus que me iluminasse e me ajudasse a dar um rumo na minha vida. Foi quando decidi pedir demissão, mesmo perdendo todas as vantagens. Pouco depois seria implantado um plano de demissão voluntária, mas preferi nem esperar.
ZONA SUL – A saúde melhorou quando você deixou os Correios?
PAULO – Depois que saí, a dor de cabeça acabou. Era apenas o estresse por eu não suportar mais o que eu estava fazendo. Com a fotografia era o contrário: quanto mais eu trabalhava com ela, mais vontade sentia de trabalhar. Era de manhã, de tarde, de noite... Fim de semana, dia santo, feriado... Não tinha folga. Minha folga era mais trabalho. Minha mulher é quem reclamava. Ela dizia que eu estava namorando. Mas não era nada disso. Eu não podia largar o trabalho para me dedicar só à mulher porque viveríamos de que? Essa minha obsessão pelo trabalho contribuiu para o fim desse meu primeiro casamento.
ZONA SUL – Trabalhando com coluna social o fotógrafo deve ver muita coisa interessante.
PAULO – Uma história interessante ocorreu quando o príncipe Charles veio ao Brasil. Como ele não havia trazido fotógrafo em sua comitiva - e eu fotografava muito para a Embaixada Britânica - fui convidado pelo embaixador para acompanhar o príncipe nos eventos que ele participou em Brasília. Terminei fazendo parte da comitiva oficial dele. Também fiz trabalhos para a Embaixada da Alemanha, inclusive cobrir a visita de um dos últimos presidentes alemães, de quem não recordo o nome. O mesmo se repetiu com outros países, como o Peru. Tive o prazer de merecer a confiança de ser chamado para integrar a comitiva dessas autoridades como fotógrafo oficial. Também me orgulho de ter fotografado um dos maiores cantores da história da musica romântica, o Julio Iglesias. Em mais de uma vez tive oportunidade de fotografá-lo. Mais recentemente fotografei apresentadoras de destaque como Adriana Galisteu e Ana Hickmann.
ZONA SUL – Você viveu alguma situação inusitada na cobertura da sociedade de Brasília?
PAULO – Certa vez cheguei ao restaurante de um hotel e encontrei um embaixador conhecido acompanhado por uma bela jovem bonita e elegante que não era a sua esposa. Ele me pediu que fizesse a foto do casal, mas com a recomendação de eu não entregar aquela fotografia a ninguém que não fosse ele. Cumpri com o combinado: entreguei a foto nas mãos dele. Também já encontrei uma colunável casada que estava acompanhada por um empresário em um local muito discreto. Eu nem queria fotografar, mas ela me chamou e também pediu que eu só entregasse aquela foto a ela própria. Repeti o procedimento. Em outra ocasião eu estava em um hotel cinco estrelas, em Brasília, e lá encontrei a Teresa Collor na companhia de uma pessoa importante de Brasília. Fiz a foto deles. O homem me chamou e falou que aquela foto era importante e que depois falaria comigo. Não sei se foi um porteiro ou um garçom quem falou, mas a imprensa ficou sabendo que eu tinha essa foto. Na época era filme, a fotografia ainda não era digital. Vários jornais e revistas me ligaram oferecendo bom dinheiro pela foto. Eu não topei. Não vendi por dinheiro nenhum. Depois repassei a foto e o negativo para o parceiro de Teresa Collor na foto. A confiança é fundamental no meu trabalho.
ZONA SUL – Em quais outros veículos você trabalhou?
PAULO – O Jornal da Comunidade foi um deles. Quando Gilberto Amaral trocou o Correio Braziliense pelo Jornal do Brasil, fiquei um bom tempo lá, com ele. Na saída dele para o Jornal de Brasília, continuei colaborando com sua coluna. Foi quando a jornalista Marlene Galeazzi, que também trabalhava no Jornal de Brasília, me chamou para colaborar com sua coluna. Colaborava com ela e Gilberto Amaral no Jornal de Brasília, com o Jornal da Comunidade, e com a Revista Foco, tudo na mesma época. Quando a Classe A acabou foi que comecei na Foco.
ZONA SUL – Quais as características necessárias para um fotógrafo trabalhar na cobertura social?
PAULO – A primeira delas é ser merecedor de confiança. Certa ocasião um ministro do Supremo Tribunal Federal falou para outras autoridades que eu era o único fotógrafo que tinha a porta aberta em todos os lugares porque nunca havia traído a confiança em mim depositada. Você ouvir isso de um ministro do STF é até lisonjeador. Outra característica necessária é saber tratar as pessoas. Também é preciso ter discrição e caprichar no vestuário, estar sempre com uma boa aparência.
ZONA SUL – Você fez outras coisas, como acompanhar o senador Garibaldi Alves Filho no período em que ele presidiu o Senado. Como foi a experiência de trabalhar direto com o presidente de um Poder da República?
PAULO – Foi mais um degrau que galguei na minha vida profissional. Trabalhar com o presidente Garibaldi Alves foi mais uma vitória que alcancei na vida. Acho que, além da confiança, fui lembrado também pelo trabalho que desenvolvi ao longo da vida. Sempre procurei fazer o melhor possível.
ZONA SUL – Depois você prosseguiu na Presidência do Senado acompanhando o presidente José Sarney.
PAULO – Por diversas vezes, quando eu era do Correio Braziliense, cobri aniversários na casa do presidente Sarney. Certa vez um assessor dele me falou que dona Marly tinha dito que não simpatizava comigo, que me achava um pouco antipático e entrão. Com o tempo ela percebeu que havia formado uma imagem errada de mim. Tanto que Dona Marly me convidou para um aniversário que teve na casa dela e pediu a um assessor que tirasse uma foto minha com ela e o presidente Sarney. Mas, respondendo à sua pergunta, quando Sarney substituiu Garibaldi eu continuei um período na Presidência do Senado. Foi quando tive um problema cardíaco e tive que me afastar.
ZONA SUL – Você já superou esse problema? A saúde está em dia?
PAULO – Graças a Deus está em dia, mas às vezes, quando exagero um pouquinho trabalhando muito, o estresse volta. Por mais de uma vez tive que ser internado. Tenho que diminuir um pouco o ritmo.
ZONA SUL – O que você está fazendo da vida atualmente?
PAULO – Continuo na Revista Foco, no Jornal da Comunidade, no Jornal de Brasília e fazendo eventos sociais particulares também, quando sou convidado. Agora mesmo fui chamado para cobrir  um evento na Embaixada da Argentina. Recentemente o senador Aécio Neves sondou sobre a possibilidade de eu trabalhar em alguma campanha sua. Só que acho que para mim foi importante o convite, mas acho um pouco cansativo. Campanha é sempre muito corrido, acho que pela minha saúde não é possível. Eu até gostaria, mas não acho que devo correr o risco. Mas o convite foi importante porque me senti valorizado e com o meu trabalho sendo reconhecido.
ZONA SUL – Qual seu sentimento por Natal? Você continua muito ligado ao Rio Grande do Norte?
PAULO – Continuo. De vez em quando mando fotos para a minha sobrinha, Eliana Lima, publicar em sua coluna da Tribuna do Norte. É bom destacar que ela é considerada por todos uma excelente jornalista. Nas férias, nunca viajo para outro destino. Sempre vou para Natal. Costumo circular por Ponta Negra, Muriú e Pirangi.
ZONA SUL – Que recado você ofereceria para alguém que pretende iniciar na fotografia?
PAULO – Fotografia já foi um bom trabalho para ganhar dinheiro. A mudança para a fotografia digital dificultou as coisas. Não se fatura mais como antigamente. Hoje só o que se vê são pessoas com maquininhas ou até mesmo com aparelhos celulares tirando fotos. Mas, de qualquer maneira, o mercado ainda permite que essa seja uma fonte de sobrevivência. Então, a recomendação que eu faria é que a fotografia é válida para quem realmente gosta. Esse é o primeiro passo: gostar. Se gostar e estiver disposto a trabalhar, vá em frente. É um meio de vida.
ZONA SUL – Fale um pouco sobre sua mulher e seus filhos.
PAULO – Estou casado com Francisca há quatro anos. Ela é aposentada do Departamento de Polícia Federal. Trabalhava na parte administrativa. Com ela não tenho filhos. Tenho uma filha do primeiro casamento, Paula Lima. Ela trabalha em uma empresa que terceiriza serviços para o Senado. É formada em Pedagogia, mas está trabalhando no pós-atendimento, é supervisora. Paula nunca se interessou pela fotografia.
ZONA SUL – Como as pessoas podem lhe encontrar?
PAULO – Meu escritório é em casa. Não uso Facebook, Twitter ou qualquer outra dessas redes sociais da Internet. Mas, quem quiser manter contato, pode enviar mensagem para pjlimarf@gmail.com/. Estou muito feliz por ter concedido essa entrevista onde pude contar um pouco do que foi a minha trajetória. Muito obrigado. 

2 comentários:

  1. Boa entrevista. O detalhe é que o "cabeça chata" tem os olhos azuis, sinal marcante da presença européia, de certo modo, no interior do Nordeste, devido a colonização portuguesa e a invasão holandesa.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Anônimo.
      Realmente a Europa se faz bastante presente no Nordeste, em especial no Rio Grande do Norte.

      Excluir

Obrigado por visitar a página do Zona Sul. Seu comentário, crítica ou sugestão será muito bem vindo.